Largo da Ordem, Curitiba - aquarela de Barbetta |
INTRODUÇÃO
Comparar o trabalho de diferentes encadernadores não é justo.
A grande maioria realiza trabalhos simples, usando nenhuma técnica especial, com materiais baratos e frágeis, caracterizando a encadernação comercial que prioriza o menor custo.
Alguns poucos se dedicam a aplicar parte das técnicas básicas, utilizando grande variedade de materiais com muita criatividade, enfatizando uma estética pessoal e se enquadrando como encadernação artística.
Muito poucos utilizam apenas materiais nobres naturais e técnicas completas de encadernação.
Assim, ao comparar trabalhos, não pretendo menosprezar ou criticar, mas sim, demonstrar que os profissionais de encadernação precisam dar a si mesmo muito mais valor, através do exercício de uma arte mais completa que garanta resistência, longevidade e beleza aos livros.
JUSTIFICATIVAS
Deixem que eu apresente duas situações que me marcaram a atividade profissional.
Certa vez, quando o trabalho em um dado acervo de cartório já ia pela metade, inclusive refazendo alguns livros que tinham sofrido uma péssima interferência recentemente, o titular me confidenciou:
“Fazia muito tempo que eu queria mexer nesses livros, mas nunca apareceu ninguém que fizesse um trabalho como o seu.”Noutro momento, conversava com a Mestra Zelina Castello Branco e ela me revelou que havia doado suas ferramentas a um rapaz seu aprendiz, o que foi uma pena, pois:
“Parece que ele não está trabalhando, estava reclamando que não tem serviço.”Assim, de um lado temos o Cliente reclamando do trabalho de encadernadores, de outro lado temos o Profissional sem trabalho.
Pergunto: como pode um bom encadernador (pois é discípulo da Mestra maior) dizer que não há serviço em São Paulo – Capital? É um vasto campo de trabalho, com cartórios muito antigos e operosos, cada um com milhares de livros manuseados até a exaustão, necessitando urgente mas qualificada reparação.
Para tanto é necessário oferecer um trabalho de qualidade, por um preço justo, usando boas técnicas tradicionais e materiais resistentes.
Concluindo, acredito que o meu específico trabalho supera as melhores expectativas dos clientes, tem uma boa relação “custo/benefício” entre preço e qualidade e respeita o livro acima de tudo, tendo grande aceitação e resultando no sucesso do meu empreendimento.
Pretensioso?
Apenas generoso, ao propor que meus procedimentos elevem o patamar de qualidade de meus colegas e possam atuar num mercado exigente.
Portanto, que os camparados não se ofendam, mas agreguem minhas sugestões aos seus trabalhos, imprimam seu toque pessoal, adicionem qualidade e, acima de tudo, valorizem-se.
A COMPARAÇÃO
GERAL
Os resultados aqui comparados se referem a duas técnicas completamente diferentes.
Uma, usa materiais especiais, como lombada e cantos de couro, com o espelho em tecido -ou tela- marmorizada. Este material pode ser lavado, tem grande resistência ao manuseio, permite douração direta sobre o couro.
Outra usa tecido de algodão, chamado lonita, sem complementos. Não permite que seja lavado e precisa de etiquetas coladas sobre o tecido.
Há outras diferenças, por exemplo, as cinco nervuras na lombada de couro, impedem que a douração seja atingida quando da abertura do livro.
CAPAS
Enquanto uma apresenta cantos e lados lixados e arredondados, a outra mostra o corte do papelão sem acabamento, com bordas acentuadas, com um "fio" cortante que agride o tecido de acabamento.
Mostro como preparar o papelão da capa em outro post: A CAPA.
FOLHA DE GUARDA
É essencial inserir uma folha de rosto e outra folha extra em branco, depois da folha de
guarda e ANTES do começo das folhas do livro propriamente ditas.
Apoiar a folha de guarda diretamente na folha oficial causa o tracionamento da folha, que é forçada a cada vez que o livro é aberto, ficando sanfonada e rasgada com o uso.
Além disso, é necessário o uso de folha de guarda marmorizada sempre e unicamente com tinta a óleo ou esmalte, para isolar as folhas em branco da acidez da cola usada na capa.
Abordo essa questão em outro post: MONOTIPIAS.
REFORÇO DE COSTURA
Um livro apresenta a técnica de costura com cadarços, mais tecido, dando sustentação ao
miolo do livro através de tiras de tecido que acompanham a costura e se apoiam na capa.
Outro, apenas um tecido fino colado à lombada interna.
OUTROS DETALHES RELEVANTES
Corte arredondado nos cantos internos protege do movimento constante de abrir e fechar, que sempre deforma o papelão e "morde" o material de acabamento.
A etiqueta foi embutida no espelho. Ou seja, o espelho foi cortado e a etiqueta preencheu o espaço, não deixando diferença entre as superfícies. Como deve sempre ser guardado EM PÉ, entre outros livros, a fricção resultante pode arrancar uma etiqueta em relevo.
CONCLUSÃO
Este livro que ilustra o post não é nenhum em especial, sendo apenas um dos livros que fiz dentre os trabalhos desta semana. É um livro datado de 1970 e estava mais ou menos no mesmo estado de conservação do livro que lhe foi comparado, medindo 43,5 por 29 cm e com 300 folhas mais o índice.
O propósito deste post não é entrar em concorrência, muito menos criticar o trabalho alheio. Pretendo apenas demonstrar que é possível utilizar técnicas e materiais muito melhores, oferecendo um produto muito superior aos clientes e com ganhos para o encadernador.
Por exemplo, fiz este livro por R$.120,00 e acredito que faria o mesmo preço pelo outro livro, pois este é apenas um dentre cerca de mil livros que estou fazendo para este cliente, num trabalho continuado.
Ambos os trabalhos tem em comum o fato de NÃO CONSTITUIREM RESTAURAÇÃO, pois nenhum deles foi deixado igual ao dia em que foram criados, recebendo apenas reparos generalizados e acabamentos diferentes.